04/12/2018

ARTIGO FG

O “Bolsa Família” ajuda, mas não enfrenta a exclusão! (*)
Em recente declaração Jair Bolsonaro, presidente eleito, afirmou que implantará o 13º para os beneficiários do Programa Bolsa Família. Mesmo que a intenção dessa iniciativa seja vista como positiva, esse tipo de política reforça os velhos mecanismos de dependência e da falta de provisão de autonomia aos pobres nas políticas sociais brasileiras. É preciso ir além da transferência de renda mínima!
Dados do relatório de desigualdades da Oxfam Brasil, divulgados neste mês de novembro/2018, apontam que de 2016 para 2017 o número de brasileiros que entraram para a pobreza extrema passou de 6 para 11 milhões. Pior, os rendimentos de 10% dos mais pobres caíram 3,5%, enquanto os 10% mais ricos aumentaram em 6% seus rendimentos. Para agravar, a carga tributária sobre os mais pobres subiu para 32% e sobre os mais ricos caiu para 21%. Esses dados mostram o agravo das desigualdades, levando o Brasil do 10º para o 9º país mais desigual do mundo. Não há como prosperar em meio a tanta pobreza!
O programa Bolsa Família é uma importante política social tendo em vista o alcance da distribuição de benefícios que ajudam a reduzir as desigualdades estruturais decorrentes da trajetória do desenvolvimento socioeconômico que experimentamos em nosso país.
É de fato uma compensação que objetiva saldar uma dívida social. Mas, não basta em si! Sem dúvida, uma boa prática social, mas que passa a ser a convivência pacífica com as diferenças e não uma política que assegura a inserção dos excluídos. Como direito social, sem uma prática inclusiva, termina por referendar a exclusão. Há, portanto, uma necessidade do empenho na ideia do direito ao trabalho, e não no direito a uma renda. Com isso, a inserção pelo trabalho é a pedra angular da luta contra a exclusão. Nossos gestores precisam compreender isso, nas três esferas de poder!
É vero, só a educação salva o Brasil e os brasileiros! "Uma esmola, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão", música "Vozes da Seca”,  composição de Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953). Há 65 anos passados o “Rei do Baião” já denunciava os "programas sociais" que o Estado Brasileiro generosamente dava aos mais pobres, especialmente aos nordestinos. Há de se dá o pão a quem tem fome, mas não aprisioná-los nesta condição famigerada! O Bolsa Família tem sua importância, contudo não pode ser o que é, uma sofisticada forma de manter pobres aprisionados ao poder!
A música é uma mistura de discurso político e manifesto. Uma forma poética de denunciar o descaso e a omissão dos governantes no que se refere à uma vida digna. Quase setenta anos depois, “Vozes da Seca” continua sendo um “tapa na cara” da classe política brasileira, pois todos sabem que a motivação da “esmola” é a permanência do quadro de dependência de indivíduos indefesos e covardemente afastados dos seus mais elementares direitos civis.
Historicamente, os governantes não enfrentaram (nem enfrentam atualmente) as desigualdades sociais em seu cerne. Tratar a pobreza somente pelo viés da transferência de renda é encarar a questão com superficialidade e reducionismo. Alguns, sem cerimônia, na base do “Pão e circo”. A intervenção estatal de combate à fome e à pobreza no Brasil caracteriza-se pela timidez, precariedade e intermitência, não assegurando os direitos sociais básicos à população pobre.
Quem está com fome, claro quer comida. Mas nem só de pão vive o ser humano!
Há 30 anos, os Titãs já prenunciavam com a música “Comida” o sentimento que precisa se generalizar. “A gente não quer só comida; a gente quer comida diversão e arte. A gente não quer só comida. A gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só comida. A gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida. A gente quer a vida como a vida quer”. A letra de Arnaldo Antunes é emblemática e universalmente premonitória.
O perfil dos pobres aponta para um alto índice de pessoas com baixa escolaridade, que mesmo ingressando no mercado de trabalho acabam tendo somente acesso a empregos precários e consequentemente a uma baixa renda. Seus filhos, estando inclusos nesses círculos viciosos, serão novos adultos que terminariam contribuindo para a manutenção dos mecanismos de reprodução da pobreza, já que a pobreza de hoje gera a de amanhã.
Enquanto a fome castiga parte considerável da população, os representantes políticos assistem de camarote, e claro que no frescor de suas salas, de forma inerte, sem apresentarem nenhuma iniciativa que possam merecer do povo sofrido um mísero agradecimento. Os governos municipal, estadual e federal precisam compreender que a segurança alimentar é um conceito relacionado com a segurança nacional, uma vez que a soberania de uma nação corre o risco de fragilizar-se ao não garantir alimento em quantidade e qualidade suficientes à sua população. Uma pessoa com fome empreende os instintos mais primitivos!

(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.

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