“A lição que vem dos vizinhos: romper com os coronéis!” (*)
Participei entre os dias 24 e 26 de maio de 2017 de um evento significativo na cidade de Guaraciaba do Norte – CE sobre o gerenciamento dos Sistemas Integrados de Saneamento Rural – SISAR’s que tem o foco na gestão comunitária de abastecimento de água.
O SISAR é um programa governamental desenvolvido para dotar as comunidades de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário onde os moradores cuidam da manutenção e da operação dos mesmos, para torná-los mais eficientes e sustentáveis. Mais do que o acesso à água a quem não tinha, o programa está revolucionando as relações sociais. Sua base é a gestão participativa, em que diversas instâncias e instituições interagem e dialogam. Qual o segredo? Esse mesmo, a participação social. Políticas de cunho social podem-se tornar eficazes e efetivas quando agregam ao modelo de gestão, o componente, participação social dos beneficiários, que se transformam, então, em participantes da política e não apenas beneficiários passivos.
Este é um exemplo, mas várias políticas públicas no nosso vizinho são baseadas no empoderamento das comunidades. Comunidades empoderadas são menos susceptíveis a pressões políticas externas e menos fragilizadas frente a conflitos internos; possuem visão social mais crítica e arguta e são mais capazes de responder a desafios impostos por condicionantes externos tais como mudanças em políticas públicas que possam colocar em risco os resultados obtidos em lutas anteriores, secas prolongadas, tentativas de manipulação, etc.
É assim que o estado do Ceará vem rompendo com a velha política dos “coronéis”. Sugestão de leitura: “Coronelismo, enxada e voto” de Victor Nunes Leal, publicado em 1949, um clássico pela sua atualidade e o seu caráter fundamental para a compreensão da realidade brasileira contemporânea.
E nós? Onde está o nosso atraso? Vivemos, aqui, ainda à época dos coronéis? Se a corrupção está caracterizada como a grande ferramenta do atraso socioeconômico da nossa região, não é a fraude somente o componente principal da falsificação da nossa representatividade política e sim ainda a própria existência do fenômeno coronelista, nos dias atuais disfarçado de outras formas de dominação.
Fazendo um recorte do período da redemocratização brasileira até os nossos dias, com as eleições diretas em todos os níveis, tivemos vários regimes políticos e numerosas reformas eleitorais; não obstante, permaneceu o fato fundamental da influência governista na expressão das urnas: o uso da máquina administrativa em favor do poder político. A explicação do fenômeno está no governismo dos chefes locais; e na sujeição do eleitorado, especialmente do pouco esclarecido, a esses mesmos chefes, como consequência direta do sistema político, que deixa o eleitor ignorante, desamparado e dependente.
Os novos “coronéis” misturam pitadas de atraso e modernidade. Aqui, já não se vê as características do coronelismo político clássico, baseado na propriedade de terra e no prestígio social dos mandatários. Os mandatários do poder, estão definidos por um grupo restrito que divide o poder entre si, onde o ciclo pode ser avaliado como “oligárquico” por alguns analistas. Porém, são tantas as peculiaridades locais e próprias de cada esfera de poder que é preciso flexibilizar o conceito puro de oligarquia – e o de coronelismo – para dar conta desse recorte da História.
Lá em Guaraciaba do Norte, vendo a forma como o cearense vence a seca, pensei; “Nós da Parnaíba e outros tantos municípios piauienses não somos pobres, estamos pobres”. Nisso reside uma grande diferença. A forma como fomos e estamos sendo governados é que nos submete aos vergonhosos atuais indicadores sociais. O clientelismo, em sua forma mais rústica, é o terreno fértil desses modelos de gestão. Hoje, estão cada vez mais vivas na política, as trocas de favores, o empreguismo e o uso do aparelho estatal para a manutenção do poder, sem o freio que a Lei impõe nos dias atuais ou devia impor.
Nossos vizinhos ainda não estão livres, mas estão mais à nossa frente. Liberdade significa tanto "liberdade de" como "liberdade para". "Liberdade de" significa não ser objeto de dominação, exploração, autoridade coercitiva, repressão, ou outras formas de degradação e humilhação."Liberdade para" significa ser capaz de desenvolver e expressar habilidades, talentos, e potenciais o mais completamente possível compatibilizando tudo isso com o máximo de liberdade dos outros. Ambas estas espécies de liberdades implica na necessidade de auto-gestão, responsabilidade, e independência, que basicamente significa que as pessoas participem nas decisões que afetam suas vidas. Visto que os indivíduos não vivem em vácuos sociais, isto também significa que a liberdade precisa assumir um aspecto coletivo, através das associações de caráter horizontal que os indivíduos formam uns com os outros (comunidades, grupos de trabalho, grupos sociais) desenvolvidas de maneira tal que os indivíduos participem nas decisões que o grupo toma.
Finalizo recuperando Shakespeare que nos lembra: “Há uma sutil diferença entre dá a mão e acorrentar uma alma”. Viva os nossos vizinhos, aprendamos com eles!
(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário