10/12/2018

ARTIGO FG

O desequilíbrio da Corte Suprema e a raiz da vergonha! (*)

No último dia 4 de dezembro, em um voo de São Paulo para Brasília, o advogado Cristiano Caiado Acioli, 39 anos, se dirige a um ilustre passageiro e diz: “Ministro Lewandowski, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando vejo vocês”. O Ministro chama a Polícia Federal (PF) que o detém e leva-o para a Superintendência da PF em Brasília, onde foi ouvido e depois liberado.
Para o juiz André Augusto Salvador Bezerra, da Associação Juízes para a Democracia, o que justificaria a detenção do passageiro seria o crime de desacato. " O que deve ser discutido é se houve uma mera liberdade de expressão ou se houve um abuso da liberdade de expressão", disse. O juiz explica que desacato é quando uma pessoa abusa de sua liberdade de expressão para ofender um agente público.
A imprensa noticiou que o advogado é eleitor de Bolsonaro e por isso o desqualifica na crítica. Esse é um dos males do país, tudo se politiza, fulaniza. As análises são veiculadas com superficialidade, guardados os interesses maiores. Porém, reparada toda e qualquer observação do episódio em si, dever-se-ia (imprensa e sociedade) aproveitar o fato e ir para além das aparentes questões reveladas no caso. Que lições pode-se tirar disso tudo?!
Por que o advogado “desacatou” o ministro? Como se escolhem os Ministros do STF? Como têm sido as decisões de Lewandowski? O STF tem sido justo e mantido o equilíbrio institucional brasileiro? Ou estaria aqui a origem de muitos problemas do país, inclusive o caso reportado?
John Locke, na Inglaterra, em seu “Segundo Tratado sobre o Governo Civil” (1690) expressa sua posição contra o poder absolutista (contexto da época), com argumentos que mostram que o governo emana da sociedade e que, junto com a lei, deve ser usado para o bem comum. Surge a ideia de separação dos poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Mais tarde, formulada mais claramente e aprofundada por Montesquieu, na França, com sua célebre obra “O Espírito das Leis” (1748).
Desde sempre, na história da Humanidade, houve espaço para abusos de autoridade e julgamentos injustos. Por isso é importante o equilíbrio entre os Poderes. A rigorosa divisão entre eles e o mecanismo de freios e contrapesos garantem o controle dos abusos e ao mesmo tempo o exercício das funções com independência e autonomia. Mas como um poder ter autonomia se seus membros são indicados por outro?
O STF é composto por 11 Ministros que são nomeados pelo Presidente da República, após uma sabatina “pro forma” do Senado. É um cargo vitalício cheio de mordomias (cabe um capítulo à parte). São super-heróis que dão a última palavra nas principais decisões e resoluções do país. Os ministros e seus indicadores são: Celso de Mello (Sarney, 1989); Marco Aurélio Mello (Collor, 1990); Gilmar Mendes (FHC, 2002); Cármen Lúcia (Lula, 2006); Ricardo Lewandowski (Lula, 2006); Dias Toffoli (Lula, 2009); Luiz Fux (Dilma, 2011); Rosa Weber (Dilma, 2011); Luís Roberto Barroso (Dilma, 2013); Luiz Edson Fachin (Dilma, 2015); Alexandre de Moraes (Temer, 2017). Como votar contra os interesses de quem o indica?
O STF deixa de se pautar pelo texto constitucional e passa a representar a vontade política de onze indivíduos, com as peculiaridades umbilicais de quem os indicou, em muitos casos. A divisão política entre os ex-presidentes se reflete no STF, onde os ministros votam ao sabor das conveniências ideológicas. Isso enfraquece a autoridade, o prestígio moral das decisões e quebra a uniformidade dos julgados. Uma farra de liminares concedidas monocraticamente por um ministro contraria o devido processo legal que apura e condena corruptos. Muitos criminosos já foram soltos por graça e ordem de Gilmar e Lewandowski.
Usando um exemplo, o caso José Dirceu. No último dia 26 de junho, a 2ª Turma do Supremo decidiu soltá-lo, condenado a mais de 30 anos de prisão por corrupção. O habeas corpus, concedido de ofício, demarcou a trincheira existente hoje entre ministros da 1ª e da 2ª Turma do STF. Na verdade, praticamente uma trincheira entre três ministros – Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – e o restante do tribunal. Se o caso Dirceu fosse julgado na 1ª Turma ou no plenário do STF, o resultado seria diferente. Ué, a interpretação da Lei Constitucional não deveria ser a mesma?
Uma reforma que toque no processo de escolha e estabeleça um tempo de mandato parece ser uma necessidade premente ao país. Na Itália, por exemplo, a Corte Constitucional é composta por quinze (15) juízes, sendo cinco deles nomeados pelo Presidente da República (poder Executivo), cinco pelo Parlamento em sessão reunida e com votação por maioria qualificada (poder Legislativo) e os cinco restantes nomeados pelas magistraturas superiores (poder Judiciário).
No projeto de “reforma política” votado no ano passado, propunha-se o mandato de 10 (dez) anos para os ministros do STF. Entretanto, foi uma das primeiras pautas retiradas do projeto. Tempos estranhos! Porém, esse debate deve ser colocado em pauta e aberto para toda a sociedade.
Montesquieu temia uma tirania do judiciário, caso cumulasse em si as funções que deveriam ser exercidas pelos demais poderes - “se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador; se estivesse unido ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor”. Estaria ele antevendo alguma coisa para além do seu tempo?
(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.

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