Com cubano ou brasileiro é preciso parar de brincar de saúde! (*)
A decisão do Governo de Cuba em romper o contrato dos profissionais médicos que serviam ao governo brasileiro está recheada de críticas, de parte a parte. Tivemos nos últimos dias verdadeiras avalanches de comentários sobre os fatos impulsionados pelas declarações do Presidente eleito.
O governo de Cuba anunciou no último dia 14 de novembro que abandonou o Programa Mais Médicos (PMM) devido as declarações feitas pelo presidente eleito: “Condicionamos à continuidade do Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinado à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente Cuba não aceitou”, declarou Jair Bolsonaro (PSL).
Em 2013, foi instituído o PMM com recrutamento de mais de 18 mil profissionais em razão da escassez de médicos na atenção básica, sobretudo para as áreas mais vulneráveis do país. A baixa oferta de médicos em locais remotos e desfavorecidos é um obstáculo ao acesso universal e à garantia da qualidade do cuidado em saúde. Poucos médicos brasileiros querem atuar nessas regiões. O Programa tem 18.240 profissionais - sendo 8.332 cubanos, segundo dados do Ministério da Saúde. De acordo com Cuba, seus médicos atuam em 4.058 municípios, cobrindo 73% das cidades brasileiras.
Houve uma enxurrada de comentários sobre a saída dos cubanos. Uns atacando Bolsonaro, outros ao governo de Cuba. Porém, a discussão aprofundada sobre a qualidade do sistema de saúde passou distante. Não interessa discutir tão necessária política pública, a politicagem domina a cena. Fica claro que, especialmente os simpatizantes do PSL e do PT, ainda não desceram do palanque. Atribuir a responsabilidade pelo descaso com o SUS à simples falta de médicos é jogar areia nos olhos do povo desprotegido! Lamentável que os “representantes do povo”, a imprensa e a própria sociedade desviam o olhar. Fica a impressão de que a saúde só vai piorar porque os cubanos vão embora. E o povo engole isso!
A saúde no Brasil padece de muitos males, dentre os quais se destacam três: falta de dinheiro, gerenciamento incompetente e corrupção. Impossível levar a sério qualquer programa que não enfrente ao mesmo tempo esses três desafios. Investir apenas na organização é tão insuficiente quanto alocar mais recursos para um sistema perdulário, contaminado pela corrupção e por interesses políticos da pior espécie.
As iniquidades em saúde entre grupos e indivíduos, ou seja, aquelas desigualdades de saúde que além de sistemáticas e relevantes são também evitáveis, injustas e desnecessárias são traços marcantes da situação de precariedade da saúde no Brasil, no Piauí e na Parnaíba!
Corrupção e falta de gerenciamento é a combinação do quadro atual. As políticas públicas (in)existentes a nível municipal, estadual e federal carecem de um choque de gestão. Ter médico no Posto de Saúde é apenas um número de uma equação não resolvida! Não se pode brincar com a vida das pessoas. Nas três esferas, temos um histórico de políticas sem planejamento, com força de trabalho em saúde pouco eficazes e submetidas aos interesses privados, em especial na atenção básica.
Nenhum profissional médico, seja ele cubano ou brasileiro, tem a capacidade de resolver os problemas complexos do atual sistema de saúde (tripartite), que precisa ser administrado sem corrupção ou ingerências políticas. Sem equipes treinadas, laboratórios de análises, imagens, centros cirúrgicos, acesso a medicamentos e a hospitais de referência para encaminhar os casos mais graves não se faz assistência médica digna. Estamos vergonhosamente despreparados para atender à demanda das enfermidades responsáveis pela maioria dos óbitos: ataques cardíacos, câncer, diabetes, obesidade, derrames cerebrais, acidentes de trânsito, tabagismo, doenças pulmonares.
Parnaíba também recebeu médicos cubanos, mas não teve mágica! Cadê a UPA do bairro Piauí? Para construí-la, quanto se gastou? É, mas foi o governo federal que fez. Logo o estado e o município não têm nada a ver. Nem inaugurada foi, abandonada, já precisa de mais recursos para recuperá-la. Outro fato da saúde local: pertencentes ou defensores do atual governo municipal na campanha eleitoral denunciavam que centenas de pessoas diariamente dormiam nas calçadas dos Postos de Saúde da cidade em busca de uma marcação de consulta, exame ou remédio. Pra não dizer que nada mudou nesse quesito: quem antes denunciava a situação, hoje cala! Conveniência, subserviência e incompetência, tudo rima!
No âmbito estadual, lambança: o recente escândalo da Maternidade Evangelina Rosa, em Teresina, interditada parcialmente depois que mais de 200 (duzentas) crianças morreram só este ano por infecção hospitalar parece não sensibilizar as autoridades que ainda festejam a eleição do governador para um quarto mandato!
É triste constatar que pouco há de se esperar desses gestores, pela vileza, pela disputa ideológica ignóbil, somada à prática política de compadrio e à corrupção endêmica. Fica o grito: parem de brincar com a vida!
(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.
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